AJUDANDO QUEM SE QUEBROU

Anos atrás caí de uma bicicleta e meu pé esquerdo ficou preso sei lá onde. Foi um susto muito grande, pois meu pé pendurou e eu não consegui mais levantar do chão.
Um tombo com sérias consequencias.
Passei um ano de cadeira de rodas, com a minha vida absolutamente parada.
Tudo girava em torno do problema e minha vontade era débil. Não queria ler, não tinha vontade de pintar, nada tinha graça.
Somente na internet é que encontrei um passatempo, acabei produzindo muitos textos, que ficaram anos parados nos arquivos, pois eu imaginava que ninguém iria se interessar por eles.

Dias atrás encontrei os textos produzidos naqueles dias, semanas, meses intermináveis, e resolvi arriscar a publicação. Mas motivada pelo acidente bobo de um amigo, que se quebrou e teve um diagnóstico parecido com o meu, ou seja, ficar parado por bastante tempo.

Juntando as idéias, resolvi criar esse blog para ajudar àqueles que estão nessa situação, pois naquela época eu andava ávida por informações ou exemplos.

Quem sabe os meus arquivos de então possam ser úteis a alguém?

Se forem, já terão cumprido uma bela missão.



ilanehof@hotmail.com

































quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Emoções à flor da pele! (28/01/2002)

Estou perto da porta da sala de jantar, sentada no sofá em uma posição diferente das habituais, para descansar a perna que está em uma tala, desde a cirurgia.


Estou muito nostálgica, escuto música e vejo na parede os pratos de coleção pendurados, dispostos caprichosamente sobre o buffet. Vejo também candelabros antigos que aguardam a compra de velas que sejam condizentes com sua antiguidade – precisam ser especiais, não servem as comuns.


Vejo, também, uma aquarela feita por mim, na parede ao lado. Aquarela que foi feita sem emoção. Acho um quadro feio, porque está ali???


As horas escorrem lentas, passam por mim como se eu fosse algo sem importância, jogada num sofá com o olhar vago, num vazio estéril.
A música que enche a sala mexe com minhas emoções e recordações, não sei o que vai acontecer comigo daqui para a frente. Me vejo presa a uma situação de imobilidade física devido a uma queda muito simples, com conseqüências muito graves e, se Deus assim o permitir, sequelas nenhumas.


As lágrimas escorrem facilmente, o momento é difícil, o “não sei” é o meu presente.


Olho tantas coisas ao meu redor, tudo tem significados tão diferentes, ora com recordações muito intensas, ora sem valor algum. Nesse instante parece tudo tão estranho,.... pareço uma estranha nesse ninho.


Meu reino é a sala da minha casa. Aqui tenho, de momento, tudo o que preciso para sobreviver nesses tempos de espera...do telefone ao batom.


O verde do jardim me acolhe, me abraça e enche os meus olhos. As folhas das árvores, dançando ao sabor do vento, refletem a luz do sol, numa dança sem ritmo, mas com um balanço harmonioso. Se nós permitirmos que os ventos nos balancem no ritmo da vida, refletiremos as luzes da nossa alma, espalhando sensação de bem-estar, de harmonia e de conforto ao coração.

Mas nesse momento me sinto muito emocional, estranha, intensa... o mundo cabe dentro de mim.


28/01/2002

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Encontrando o chão! (20/01/2002)

Era uma tarde de sexta-feira de verão... Nosso condomínio estava cheio de gente pelas ruas e praças, crianças brincando, adultos jogando tênis, idosos desfrutando do morno fim-de-tarde...
Eu havia trabalhado um montão durante o dia, pois havíamos recém chegado para as férias. Quando finalmente dei por pronto o meu dia, estava razoavelmente bem instalada e sem muito mais por fazer, pois até o jardim dos fundos eu havia conseguido terminar.

Fui tomar um banho e peguei minha bicicleta para passear....
A Lauren estava fazendo alongamento para ir correr e a Gaby estava no Boulevard (é o nome dado às praças e espaços onde todos convivem, no meio do condomínio), junto com uma amiga. Meu marido ainda trabalhava...pra variar.....

Pois bem, convidei a Lauren para ir junto comigo, ela correndo e eu andando de bicicleta... E lá fomos nós, bem felizes... Lá pelas tantas, numa pequena confusão causada por um espaçamento que tive que deixar devido à passagem de um carro, Lauren ficou à minha frente. Num daqueles lapsos de segundo, percebi que entraria com minha bici nas pernas da Lauren e... aí já nem deu mais tempo de parar.
Caímos as duas numa grama macia..... Ela nem se machucou e eu nem esfolei braço nem nada.... Mas enquanto eu caía, escutei os ossos da minha perna esquerda estalarem duas vezes e senti meu pé pendurar. Gritei imediatamente para a Lauren e...me vi estatelada no chão, segurando o tênis e dizendo para ela que havia quebrado o pé, que estava solto do resto do corpo. Um momento de horror, em que olhei para o céu e perguntei “o que foi que fiz de errado???”
Eram mais ou menos 20h 30min do dia 18 de janeiro de 2002. Dia que ficará indelevelmente marcado na nossa memória.

Iniciava-se uma luta contra a dor, contra o desespero de sentir-se impotente....justamente eu, que sempre controlei tudo na minha vida.... De repente não controlo uma situação.... E a dor????? O que fazer com aquela intensidade de dor???? Por que tudo isso?????
Bem, começou a juntar gente, apareceram amigos, o pessoal da recreação, que são professores de educação física, colegas da Lauren, começaram a procurar solução para o impasse. Um foi chamar o meu marido e nesse meio tempo minha filha Gaby viu o ajuntamento de gente e veio ver o que é que estava acontecendo. E quando reconheceu minha roupa, quase teve um piripaque, disparando na minha direção. Eu já estava com muito frio e tremendo, imóvel no chão e louca de dor, ela me cobriu com seu moleton enquanto os rapazes faziam uma tala de papelão grosso, improvisada para a minha perna.
Chegando o marido, todos me levantaram e colocaram no carro com muito cuidado. Fomos procurar um pronto socorro de fraturas. Estávamos em 4, Armin, Lauren, um dos amigos de Lauren, o Daniel, e eu....que segurava a tala e o tênis ao mesmo tempo, sentindo que estava tudo solto lá dentro. A dor era louca...eu não raciocinava mais.
No pronto socorro entrei direto para o raio-X na emergência e quando tiramos o tênis percebi e constatei que o pé não se segurava sozinho....
Depois eu soube que eu estava com o pé preso apenas pelos ligamentos, artérias etc, e com os ossos esfacelados literalmente. Ainda no pronto socorro, Lauren e Armin passaram mal.... E eu me segurava no Daniel, que me escorava e consolava. O diagnóstico era dos piores, teria que ir para POA e fazer cirurgia....
Era uma super fratura, daquelas “muito bem feitas”, nas palavras do médico, num humor negro que eu até hoje não entendo ...

Até acharmos um cirurgião ortopedista, por telefone, aí foi outra novela. Era verão, era uma sexta-feira, todos de férias.
Mas felizmente depois de muita procura, achei um super médico que, com sua equipe, foi espetacular em sua atuação e cuidados.
Voltei a POA, direto para o hospital para ser examinada. O médico então percebeu que a articulação do tornozelo estava preservada, felizmente. Que as fraturas eram graves, mas eu teria como consertar. E que felizmente não havia fratura exposta, por um triz. Todo o problema estava na altura da canela, logo acima do tornozelo. Falavam em tíbia e perônio.
Baixei hospital na terça-feira, operei quarta, dia 23 de janeiro. A cirurgia demorou mais do que previsto, pois os danos eram maiores do que eles supunham. Colocaram 2 placas e 16 parafusos para consertar a ligação óssea. Os médicos chegaram à conclusão que eu fiquei com o pé trancado na bicicleta, pois os ossos rotaram pelo jeito de cair, não foi o peso do corpo em cima, foi meu corpo que se torceu ao cair, fazendo uma rotação sobre o pé preso na bicicleta.

Depois de algumas horas e já no quarto do hospital, voltou a dor , a dor pós operatória. Foi incrível. Muito dolorosa realmente. Injeções de um irmãozinho de morfina e mais duas injeções junto, não aplacavam a dor intensa.
Foram 6 dias de hospital, mas quando saí de lá, fui agradecendo aos céus o que tinha acontecido e como tinha acontecido. Fui mesmo carregada no colo pelos amigos espirituais, pois dentro da gravidade do problema, eu havia tido muuuuiiita sorte.
E agora a realidade: estava dependente dos outros para tudo.

Que lição seria essa que eu deveria aprender?????
Uns 10 dias depois o médico colocou gesso. Minha perna estava mais para um salsichão costurado nos dois lados e pronto para explodir, do que a velha perninha, muito conhecida minha....
Fomos de volta para a praia (a conselho médico), onde a nova maneira de movimentar-me teria mais espaço. Agora cadeira de rodas e andador faziam parte da rotina e a minha bunda reclamava de ficar sentada tanto tempo. Não tinha saco para ler nem para ver televisão. Recebi muitas visitas, muitos telefonemas, muitos emails. A rede de amigos se mostrou muito ativa e a beleza de ter companheiros de caminhada ficou no meu coração como um bálsamo e lenitivo para os momentos de tristeza. E os dias foram se arrastando lentamente.
Uma semana depois voltei para POA para tirar o gesso e tirar os pontos. Fiz fiasco para tirar os pontos: eu tremia da raiz do cabelo até a ponta do dedão.... Que coisa, a gente não se controla mesmo....
Voltei para a praia com uma bota parecida com as dos astronautas, mas que eu podia tirar. Tinha um forro estofadinho que me protegia. O médico queria que eu movimentasse o pé, pois as articulações não deveriam ficar paradas. E alguns dias depois eu mesma iniciei com a fisioterapia dentro de um balde de água morna.
Hoje, domingo 17 de fevereiro, véspera do aniversário de um mês do acidente, tenho condições de movimentar-me em cadeira de rodas por toda a casa. Minha perna está ainda em estado muito frágil, meu pé continua inchado. Os pontos estão perfeitos e os parafusos não doem. Aliás, nada dói. As posições de pata para o ar são incômodas. Mas vamos levando, que remédio???
As visitas tem sido intensas, o que ajuda a passar o tempo de espera. No dia 27/2 irei novamente ao médico, vamos iniciar um período de controle por raio-X, para ver se os ossos estão coladinhos e em melhores condições, para então tentarmos a nova etapa, a de colocar o pé no chão.

(nesses momentos eu ainda não tinha a menor noção da gravidade do caso, não sabia que demoraria para colocar o pé no chão, achava que seria um problema para uns 60 dias....).
O tempo vai passar depressa, tenho certeza, eu pensava.

Enquanto isso ficava a lição suprema: dar valor para cada centímetro de corpo que temos, não importa se tem celulite, se é torto, se está na moda ou não. Tudo funcionando é uma bênção.
Não tenho vocação para saci... que sofrimento!
E hoje eu já olho para o céu e agradeço pela proteção que tive naquele momento do acidente. O que era para ter acontecido, aconteceu!!!! Mas com que amor o mundo espiritual me carregou no colo, evitando tantos outros problemas que poderiam ter acontecido, como fratura exposta, rompimento de artérias pelos ossos esfacelados, hemorragia, etc.
O importante agora é confiar, confiar, confiar.....fiar com !!!!!!!!!!!!!
janeiro de 2002