AJUDANDO QUEM SE QUEBROU

Anos atrás caí de uma bicicleta e meu pé esquerdo ficou preso sei lá onde. Foi um susto muito grande, pois meu pé pendurou e eu não consegui mais levantar do chão.
Um tombo com sérias consequencias.
Passei um ano de cadeira de rodas, com a minha vida absolutamente parada.
Tudo girava em torno do problema e minha vontade era débil. Não queria ler, não tinha vontade de pintar, nada tinha graça.
Somente na internet é que encontrei um passatempo, acabei produzindo muitos textos, que ficaram anos parados nos arquivos, pois eu imaginava que ninguém iria se interessar por eles.

Dias atrás encontrei os textos produzidos naqueles dias, semanas, meses intermináveis, e resolvi arriscar a publicação. Mas motivada pelo acidente bobo de um amigo, que se quebrou e teve um diagnóstico parecido com o meu, ou seja, ficar parado por bastante tempo.

Juntando as idéias, resolvi criar esse blog para ajudar àqueles que estão nessa situação, pois naquela época eu andava ávida por informações ou exemplos.

Quem sabe os meus arquivos de então possam ser úteis a alguém?

Se forem, já terão cumprido uma bela missão.



ilanehof@hotmail.com

































quinta-feira, 18 de março de 2010

Dias de inverno (junho/2002)

dia está cinzento e chove muito...
As gotas da chuva caem contra o vidro da minha janela, num barulho agradável de intimidade...
Essas gotas escorrem pelo vidro, num caminho sinuoso que as leva ao encontro do resto das gotas que já caíram, deixando um rastro atrás de si.
Olhando através desses rastros, dá para ver toda a natureza em movimento, o vento balançando muito as folhas das árvores, os pássaros escondidos, as formigas atrás das folhas....



É tempo de recolher, de permanecer quietinha, deixando os momentos se modificarem de acordo com a natureza...


7/6/02



Renovação de conceitos (maio/2002)


Hoje completam-se 120 longos dias desde o acidente.
Período de tomada de consciência, de renovação de conceitos, de ver o que não queria ver, de planejar, de sentir e de sofrer.
Eu me tornei um mundo à parte, um mundo com limites, um mundo interior que examina o exterior com curiosidade, analisando caras e bocas, comportamentos e reações.
Qual dos meus “eus” de geminiana saturnizada vai aflorar???????
O exílio me dá condições de estudar, de focalizar mais profundamente as coisas....
E me dá a facilidade de sofrer e de admitir o sofrimento.
Afinal também sou gente....

sábado, 13 de março de 2010

Cem dias sentada !!!! (01/05/02)

Puxa, nunca pensei que um dia, na minha vida, chegaria a ficar sentada por 100 dias.....
E tenho plena certeza de que mais tempo ainda passará, além dos 100 dias.


Até que tento levar na brincadeira, mas a realidade da dor, quando abuso de rapidíssimas “caminhadas” com muletas, me traz de volta aos braços da cadeira de rodas. Ontem foi domingo e meu marido me levou a passear, ato raro hoje em dia devido aos problemas de transporte com muletas ou cadeira de rodas... um saco!!!!


Bom, mas visitamos por fora o novo aeroporto e depois fomos ao clube almoçar. Quanta saudade eu estava da comidinha deles, lá nos Veleiros.... E como não dava para caminharmos como sempre fazíamos, depois dos almoços de domingo, resolvemos ir até o Terra Ville, em Belém, para ver o tão bem falado condomínio, onde amigos nossos já tem terrenos. E lá eu capenguei um pouco a mais, nada de abusos. Mas ao voltar eu estava derrubada !!!!!!

Que coisa, fiquei sem conseguir apoiar o pé no chão por toda a segunda-feira. E depois, de castigo, por toda a semana, com dor !!!!

Estou preocupada com a dor, eu pensei que seria mais fácil.

Pois é....e fiquei sentada novamente na minha velha amiga cadeira de rodas, por mais 5 dias, sem conseguir apoiar o pé no chão. Nos dias subseqüentes ao domingo, pensei muito para entender o que que eu tinha feito para estressar tanto o meu pé....só entendi o ocorrido na terça à noite, depois de falar longamente com meu sobrinho Gustavo.


Naquele domingo de aniversário dos 100 dias, fomos almoçar no clube e eu me servi no buffet sem bengala....caminhando, capengando...mas sem bengala... Apoiei todo o meu peso nas pernas, foi super legal caminhar novamente, com equilíbrio e liberdade. E como não senti nada, não percebi o quanto eu estava machucando por dentro o meu pé. A dor, à noite, me obrigou a ficar quieta. E assim estou 5 dias depois....


Preciso ter a paciência de aguardar tudo se finalizar, osso se reconstituir, operação interna cicatrizar devidamente, enfim, preciso ir com menos sede ao pote...



Preciso aprender meeesssmo a andar com mais observação sobre mim mesma. O que aconteceu reflete a maneira como me conduzi até o acidente, com muita falta de centramento. Pensa Ilane, observa, Ilane, caminha devagar, criatura....


Em todos os sentidos, parece que me faltam os segundos na vida, porque tenho tanta pressa??????

Coração de band-aid (20/03/2002)

Recebi hoje uma mensagem muito linda, que chegou realmente num momento certo, num coração de band-aid, doído, triste, chorão....
Por entre suspiros, conhecer todas as dobras do sofá da sala e todos os recursos da cadeira de rodas tem sido, no mínimo, muito cansativo. Os livros não interessam mais, os compromissos foram adiados, o olhar vazio corre por entre a natureza buscando um alento para continuar ali, como reclusa, sendo obrigada a conviver com dores antigas, tentando criar a disciplina a todo o custo, descondicionando toda a vida anterior em favor do "não sei"....
Toda a força disponível esgotou, a tristeza brotou com força, as lágrimas rolaram macias e fartas.
Cheguei até o fundo....... será?????



Meu coração diz que preciso deixar sair tudinho, que preciso dessas lágrimas para poder limpar meu futuro.
Nesse momento preciso de mim mesma desesperadamente.
E dos amigos....
E de pensamentos amorosos também...
De colinho, então, nem se fala...


E como um dos meus propósitos para o futuro é continuar a ser forte, mas compartilhar as lágrimas e as dores com mais profundidade, peço aos anjos um abraço em pensamento, um aconchego carinhoso, um pouquinho de luzinhas para ver se clareia o fundo do meu túnel.

Ainda faltam 20 dias para a próxima consulta médica..... coragem senhora!!!!!

quinta-feira, 11 de março de 2010

Tristeza... (04/05/2002)

Como não chorar a tristeza de uma situação de abandono emocional??? Parir uma nova personalidade requer limpeza e entendimento dos velhos arquivos. A criança sem amor pede licença à vida para receber o que lhe falta e, quando se dá por conta, já está na metade do seu caminho nessa existência e ainda está buscando o amparo, o abraço, o aconchego que nunca teve, na medida da sua necessidade.
E entende que desenvolveu o arquétipo do comando e do controle, para que nunca nada esteja fora do lugar, que tudo corra de acordo para que não sinta falta de nada, ....nada que lhe recorde que não é tão importante quanto gostaria, no coração dos mais chegados.


E lá se vão 106 dias, sentada e pensando, aprendendo um monte, com muita ansiedade por sair, ver gente, acertar sua vida.


O desânimo de ver um RX com as fraturas em quase igual estado do que quando se quebraram, deixa um vazio enorme no coração e o pensamento: o que foi que ainda não aprendi????
Ou não modifiquei???
Porque eu???

E o tempo vai passando.... (08/04/2002)


O tempo se reflete nas folhas das árvores, que agora se agitam com os ventos que anunciam a chegada da estação fria.
E eu continuo aqui, sentada na cadeira de rodas, com minhas emoções em colapso, tentando por uma ordem nelas.
Pensei que seria mais rápida a recuperação, mas parece que ainda não aprendi totalmente a lição da vida.
O que será que preciso ainda entender????


Pequenas conquistas, grandes efeitos...(04/02/2002)

Quando nos deparamos com a imobilidade e a dependência, o mundo toma proporções gigantescas, num sentimento de incapacidade ou pequenez  que só será entendido por aquelas pessoas que passaram por essa situação.


A adaptação à essa nova situação pode ser rápida ou lenta, isso depende da estrutura emocional da pessoa.
Mas uma coisa é incrível: cada conquista, cada som, cada momento de superação tem um sabor de vitória interior sobre si mesmo, independente da observação alheia.


Por exemplo, o som do xixi caindo dentro do vaso sanitário, significa liberdade de movimentos para quem conseguiu chegar até o vaso, depois de um período de absoluta dependência.
O valor de um esforço penoso para buscar uma merenda em um outro local, o suador que dá para exercitar o membro fraturado, a importância do corpo estar saudável para que reaja positivamente às novas exigências, isso tudo traz um centramento importante, um vivenciar o próprio “eu”.
Um momento de “migo” para comigo...
E a vida continua passando por mim...

04/02/2002